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EXPOSIÇÃO / RUA UM

“Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho”

(Crença dos habitantes de Matimati, Moçambique)

Mia Couto, Terra Sonâmbula

 

O resgate de crenças populares que nos contam sobre uma paisagem que muda durante a noite adequa-se como (pre)texto para apresentar a exposição individual de Marcia Gadioli: Rua Um, no Alê Espaço de Arte.

Atravessada pela literatura e pelo apelo à memória pessoal e coletiva que a artista investiga há tempo, surge esta mostra, que questiona o impacto das modificações urbanas no dia a dia das pessoas e da cidade.

 

Para isso, sua memória é convocada em um exercício consciente de revisitação ao lugar onde viveu desde sua infância até a adolescência. Nesse percurso identifica sua rua, sua casa, as casas de seus vizinhos. Às vezes surge uma certa bruma nas lembranças, que vai se clareando na medida que sua atenção se detém no bairro, nas brincadeiras com os amigos, na balança da praça; são recordações de um tempo quando as fronteiras entre a casa e a rua eram fluidas e lhe outorgavam um sentimento de pertencimento, de identidade. Ao longo do processo preparatório para esta exibição, visitas in loco foram realizadas que suscitaram novas reflexões para seu trabalho.

 

A artista observa que com o decorrer do tempo esse território conhecido foi transformando-se, dando lugar a uma nova paisagem urbana. Essa transformação faz parte de um fenômeno que se repete em diversos bairros da cidade de São Paulo que, por conta da especulação imobiliária, provoca mudanças nas referências físicas e espaciais para seus habitantes. O cotidiano torna-se estranho e por tanto, os cidadãos são quase estrangeiros em seu próprio território.

 

Marcia interroga o cotidiano: as marcas no concreto e nas portas, as ações banais de pessoas que encontra no seu caminho, à maneira de um inventário urbano. Realiza vídeos, desenhos, frotagem, fotografias, transferências de imagens, parafina, livro de artista, experimentações que agregam outros sentidos ao despercebido. É importante ressaltar que todos os seus trabalhos são desenvolvidos com delicadeza e aprimoramento, numa linguagem plástica próxima a monocromia, investiga o vazio no espaço do papel utilizado como suporte. Marcia mergulha na experiência de criação com alegria, disponibilidade e comprometimento ao longo do diálogo com a curadoria.

Isabel Villalba

Curadora

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